
Com aposentadoria especial pode continuar trabalhando?
A aposentadoria especial é um direito muito valioso para profissionais de áreas que podem afetar a sua saúde ou integridade física. Além disso, as regras e termos que envolvem esse direito podem ser bastante complexas, por isso eu quero, neste artigo, explicar de forma mais objetiva o direito, além de traduzir alguns termos muito técnicos.
Eu acredito que “traduzindo” palavras jurídicas para termos que fazem mais parte da realidade desses profissionais, nós advogados podemos demonstrar melhor os direitos e ampliar o acesso a eles. Para mim, na prática, profissionais mais bem informados têm mais chances de conquistar um bom benefício de aposentadoria, como a aposentadoria especial.
Com essas informações mais acessíveis em mãos, você vai conseguir entender, afinal de contas, se quem se aposenta pela regra da aposentadoria especial pode ou não continuar trabalhando.
É válido destacar, também, que existem outras aposentadorias formalmente chamadas de especiais também, como a da pessoa com deficiência, a dos professores e a do segurado especial. Porém, quando as pessoas em geral falam de aposentadoria especial, nesses termos, estão se referindo ao benefício que vou explicar aqui no artigo.
No final do meu texto, se você ainda precisar de assistência jurídica na sua situação, eu recomendo entrar em contato com a nossa equipe.
O que é aposentadoria especial?
A aposentadoria especial é uma modalidade de aposentadoria que permite se aposentar mais cedo que a regra comum. Porém, para ter direito a ela, o beneficiário do INSS deve ter exercido alguma profissão exposto à insalubridade ou à periculosidade.
E aqui temos os primeiros termos técnicos que posso traduzir para você: insalubridade, para o INSS, é quando existe presença de “agentes nocivos” no ambiente de trabalho, que podem ser físicos, químicos ou biológicos – eu vou explicar mais sobre isso nos próximos tópicos. Já a periculosidade diz respeito às atividades que oferecem risco de vida ou risco à integridade física do profissional, como trabalhos com alta tensão ou em alturas consideráveis.
Ou seja, a aposentadoria especial é uma modalidade de benefício do INSS para quem sofre danos maiores no exercício da sua profissão, prejudicando sua saúde. Por isso a regra permite que eles se aposentem mais rápido do que nas regras comuns, afinal é como se os efeitos da idade fossem “antecipados” devido o tipo de trabalho realizado.
Quando se tem direito à Aposentadoria Especial?
O direito à aposentadoria especial é conquistado pelo profissional que exerce, por um período mínimo, atividades insalubres ou perigosas – chamadas atividades especiais – de acordo com os critérios do INSS, e que, além disso, completa outros requisitos.
Aqui eu quero deixar bem claro que esse período mínimo de atividade especial pode variar de acordo com o nível de risco dela. Por exemplo, um médico ou dentista está exposto a agentes nocivos às suas saúdes, por causa da exposição a doenças, bactérias e outras formas de contágio que lidam diariamente. Porém, o risco que eles enfrentam é significativamente menor do que o risco e danos de saúde adquiridos por trabalhadores em minas subterrâneas.
Essa diferença faz com que o tempo mínimo de atividade especial para conquistar a aposentadoria especial para o médico e o dentista seja diferente da do mineiro.
Fiz uma tabela para auxiliar a visualização mais fácil das regras:
TABELA DE REGRAS PARA TER DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL | ||
REGRA | TEMPO DE ATIVIDADE ESPECIAL POR GRAU DE RISCO | REGRAS ADICIONAIS |
Direito Adquirido | Alto: 15 anos
Moderado: 20 anos Baixo: 25 anos |
Tempo foi completado até 12.11.2019 |
Transição Especial | Alto: 15 anos
Moderado: 20 anos Baixo: 25 anos |
Alto: 66 pontos
Moderado: 76 pontos Baixo: 86 pontos *pontos são a soma da idade e do tempo de contribuição, seja especial ou não |
Nova Regra Especial | Alto: 15 anos
Moderado: 20 anos Baixo: 25 anos |
Alto: 55 de idade
Moderado: 58 de idade Baixo: 60 de idade |
Que profissões têm direito à aposentadoria especial?
Eu posso citar alguns exemplos de profissões que podem ter direito à aposentadoria especial, como médicos, dentistas, mineradores, trabalhadores da saúde em geral, eletricitários, metalúrgicos, mergulhadores, entre muitas outras. Porém, hoje em dia não se determina o direito a esse benefício com base na profissão.
O que vai, de fato, validar o direito à aposentadoria especial são os laudos e análises dos ambientes de trabalho, que verificam a quantidade e frequência de exposição aos riscos à saúde.
Um exemplo bem didático que eu gosto de dar é que a psiquiatria, a consultoria de saúde laboral, a medicina esportiva e a telemedicina são áreas médicas, ou seja, realizadas por médicos formados, mas raramente vão dar direito à aposentadoria especial. Afinal, os ambientes de trabalho desses médicos não são ambientes com tanto risco de exposição a doenças contagiosas.
O nível de exposição é avaliado por um profissional especialista, que vai identificar e indicar em um laudo as características do seu local de trabalho.
Como comprovar tempo especial?
Para comprovar o tempo especial, o principal documento hoje em dia é o PPP – perfil profissiográfico previdenciário. Ele é um documento que descreve como os agentes nocivos do seu ambiente de trabalho impactam a sua função específica. Afinal, um hospital pode ter um laudo técnico de condições do ambiente de trabalho com algumas características, mas elas não afetam igualmente todos os funcionários do hospital. Pode ser muito diferente o impacto na saúde do médico infectologista e do recepcionista, não é mesmo?
No vídeo a seguir, você pode entender melhor como funciona esse documento.
Mas eu quero te alertar para o fato de que nem sempre um profissional consegue um PPP. Profissionais autônomos e empresários são os principais exemplos. Mas pode acontecer também com quem trabalhou em empresa que já fechou ou que se nega a fornecer o documento.
Nesses casos, você deve buscar por estratégias probatórias (provas) diferentes. No caso do autônomo, por exemplo, ele mesmo deve contratar um engenheiro ou técnico em segurança do trabalho para elaborar o laudo técnico (LTCAT) do espaço onde ele trabalha. Depois, se for cooperado, pode levar o LTCAT para a cooperativa fornecer o PPP, mas eu sei que isso é raro. Quase nenhum autônomo é cooperado.
Nesse caso, do autônomo que não é cooperado, você precisa entrar com o pedido usando apenas o LTCAT, que vai ser negado pelo INSS e, a partir dessa negativa, você terá o direito de entrar com um processo judicial. Em geral, é assim mesmo que se resolve!
Além disso, quem trabalhou em atividades especiais até 1995, basta apresentar um comprovante da sua profissão, como contrato ou carteira de trabalho, para o período da época. Após isso, é realmente o PPP que você deve utilizar.
Quem tem aposentadoria especial pode continuar trabalhando?
Depende! Essa pergunta sobre o direito de continuar trabalhando após receber a aposentadoria especial é muito frequente porque ela ficou sendo discutida na justiça por muito tempo. Além disso, costumava ser uma excelente estratégia financeira: solicitar a aposentadoria especial e continuar exercendo a profissão, acumulando ambas as rendas.
Porém, isso ia contra os princípios desse benefício. Como eu expliquei no início do texto, a aposentadoria especial serve para compensar profissões que sofrem com o desgaste físico que o trabalho gera e com o próprio envelhecimento, mais do que outras profissões. Ela serve para tirar um corpo já fragilizado pelo trabalho da exposição frequente a riscos à saúde e à vida. Assim, não faria sentido manter esse benefício se o trabalhador continuar exposto a ele, não é mesmo?
Então, afinal, como fica a situação?
Tema 709 do STF – Da necessidade de afastamento de atividade nociva
Em 2021 o STF decidiu sobre o tema 709 que estava em debate na justiça entre os ministros. O tema debatia o direito de continuar trabalhando mesmo recebendo a aposentadoria especial. Em síntese, a decisão dos ministros foi que sim, é possível continuar trabalhando enquanto se recebe a aposentadoria especial, porém não em atividades especiais.
Ou seja, se um dentista se aposenta pela regra especial, não pode continuar exercendo as mesmas atividades que deram direito a essa aposentadoria, nem outra que vá colocar ele exposto à insalubridade ou à periculosidade.
Nesse cenário, ele poderia realizar atividades de consultoria, administrativas e até mesmo aulas, mantendo a atuação na sua formação. Ou poderia mudar totalmente de área, desde que essa nova área também não oferecesse riscos.
Após aposentadoria especial, preciso pedir demissão?
A conquista da aposentadoria especial não obriga o pedido de demissão, mas também não garante estabilidade no setor privado. O que eu quero dizer com isso, é que ao conseguir a sua aposentadoria especial, você não precisa se desligar da empresa, mas precisa observar alguns detalhes:
- Não pode continuar na mesma atividade;
- Deve ser transferido para uma atividade que não exponha você a riscos;
- Mas a empresa não é obrigada a te realocar, podendo demitir você.
Bom, você deve ter reparado que eu falei em setor privado, não é mesmo?
Isso porque no setor público, ou seja, para os concursados, ao receber a aposentadoria – seja ela de qualquer modalidade – obrigatoriamente você deve sair do cargo que usou tempo para se aposentar. Mas isso é outro assunto, só achei que seria importante deixar registrado para não criar interpretações que podem prejudicar seu planejamento, certo?
Quando o trabalhador deve efetivamente se afastar da atividade especial?
Quando se aposenta pela regra da aposentadoria especial precisa se afastar da atividade especial. A essa altura, acredito que já tenha ficado bastante claro que a aposentadoria especial é um benefício para liberar o profissional de continuar exposto a uma atividade que prejudica sua saúde muito mais do que a média das outras profissões.
Por isso, os novos entendimentos jurídicos, a partir da decisão do STF, caminharam na direção de preservar a vida e a saúde do profissional. Resumindo: pode trabalhar, mas não exposto a agentes nocivos, então precisa, sim, se afastar da atividade especial.
Exemplo da Clara
Para deixar mais explícito o funcionamento dessa regra, quero trazer o exemplo de Clara. Clara é uma enfermeira de 60 anos de idade, que trabalhou por 30 anos nessa profissão, comprovadamente exposta a agentes nocivos no ambiente de trabalho.
Assim, Clara se aposentou como enfermeira obtendo a aposentadoria especial. Porém, ela ainda se sente ativa e tem o desejo de “fazer um pé de meia” e tentou atuar como cuidadora em home care, mas se deparou com um contrato em que iria receber insalubridade. Indo atrás de mais informações, descobriu que aquela função específica, naquela empresa, era considerada especial.
Por isso, Clara buscou outras formas de trabalhar como cuidadora e encontrou vaga em um local que não gerava insalubridade, pois o ambiente não tinha exposição a agentes nocivos e a pessoa que passou a cuidar não possuía nenhum diagnóstico que gerasse contágio. Nesse caso, conseguiu continuar trabalhando na sua área sem perder sua aposentadoria especial.
O que a empresa deve fazer quando o funcionário se aposenta especial?
Quando um funcionário se aposenta pela regra da aposentadoria especial a empresa deve ficar atenta em como mantém o contrato com o funcionário. Caso não faça os encaminhamentos corretos, pode acabar prejudicando ele e a própria empresa.
Troca de função para atividade não nociva
A primeira opção é modificar a função da pessoa da sua equipe que se aposentou pela regra da especial. O cerne da mudança deve ser realocar a pessoa em uma atividade que não exponha ela a agentes nocivos ou perigos à sua saúde, vida ou integridade física.
Alguns indícios de adequação à nova realidade são trabalhos onde não exista adicional de insalubridade e onde o LTCAT não indique presença desses agentes ou situações de risco.
Rescisão de contrato de trabalho
Caso para a empresa seja inviável a realocação do funcionário para outra atividade que não o exponha a agentes nocivos ou a riscos, ela pode optar pela rescisão do contrato de trabalho. Isso porque a aposentadoria especial não gera nenhum tipo de estabilidade para o funcionário, mesmo que não gere, também, obrigatoriedade de demissão.
Os critérios da empresa para rescindir o contrato acabam sendo praticamente os mesmos de qualquer outro funcionário e as regras para demissão, também. A única diferença é considerar que a pessoa não pode continuar exercendo atividade especial.
Exemplo do Jair
Quero dar um exemplo: Jair trabalha em câmaras frias, com produtos como carnes. Por isso, ele é exposto a agentes nocivos – frio excessivo gerado a partir de fonte artificial. Nessas condições, consegue comprovar o direito ao benefício e se aposentar na modalidade especial.
Contudo, quando recebe o benefício, precisa mudar de função e na empresa onde está, o RH e a gestão não conseguem encontrar uma vaga adequada para Jair. Por isso, ele acaba sendo demitido da empresa.
Porém, nada impede que Jair busque outro tipo de atividade para acumular a remuneração e ganhos com os valores da aposentadoria especial.
Pode perder a aposentadoria especial?
Sim, é completamente possível perder a aposentadoria especial. O principal caso, que tratei aqui ao longo do texto, é quando a pessoa continua trabalhando em atividade especial. Isso vale, inclusive, para quem parou de trabalhar na sua atividade, mas depois retornou a uma função com exposição a agentes nocivos, mesmo que em outra empresa e em outra função.
Outro caso que pode gerar a perda da aposentadoria especial é a verificação, pelo INSS ou pela Justiça, de alguma irregularidade na comprovação do tempo especial ou outra prova que foi utilizada na conquista do benefício, podendo configurar fraude.
Conclusão
Você pode continuar trabalhando após receber a aposentadoria especial apenas se a sua atividade não expor você a riscos e perigos. Não atentar a essa regra pode gerar a perda da sua aposentadoria especial, inclusive a obrigatoriedade de devolução de valores.
Além disso, é importante lembrar que a aposentadoria especial não gera estabilidade, ou seja, a empresa não é obrigada a realocar você para que você siga trabalhando. Por isso, avalie e planeje com cuidado os passos que deseja seguir com a sua aposentadoria.
Quer traçar um plano seguro para o seu futuro ou precisa de assessoria jurídica para a sua aposentadoria especial? Fale com a gente e envie o seu caso, leva menos de 1 minuto!
Marcela Cunha
Advogada, OAB/SC 47.372 e OAB/RS 110.535A, sócia da Koetz Advocacia. Bacharela em Direito pela Faculdade Cenecista de Osório – FACOS. Pós-Graduanda em Direito Previdenciário pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul (ESM...
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